Prof. Guilherme Vilela Carvalho
Introdução
O problema das relações entre razão e revelação é um dos mais importantes para a teologia cristã. A discussão envolve tanto definições teológicas sobre da natureza da revelação como o posicionamento com respeito ao verdadeiro lugar da filosofia neste mundo de Deus, e suas implicações se estendem não só às definições dogmáticas da igreja, mas até nossa práxis cristã e nossa visão a respeito da cultura humana.
A questão que se nos apresenta é propriamente um problema epistemológico desde que fé e razão descrevem processos cognitivos. Faz realmente diferença a abordagem que escolhemos para relacioná-los? Sem dúvida. Nenhum pensador sério pode ignorar o fato de que diferentes epistemologias dão origem a diferentes estatutos filosóficos, e estes ao conjunto de preconceitos que controlam toda a reflexão. Ora, se nossa hermenêutica teológica é determinada por tais preconceitos, é preciso fazer uma opção epistemológica para uma epistemologia teológico-filosófica. Mas qual a melhor opção? É nossa convicção que o princípio Agostiniano é fundamentalmente correto: “credo ut intellegam” - “creio para que possa compreender”. A fé cristã exige uma epistemologia revelacionista (revelação domina sobre a razão) e portanto uma filosofia fundamentada e orientada pela fé. É o que pretendemos demonstrar.
1. Abordagens para o Relacionamento entre a Fé e a Razão
Com respeito às relações entre razão e revelação, e conseqüentemente entre filosofia secular e a fé cristã, é mister examinar as abordagens existentes antes de iniciar a reflexão sobre o tema, desde que não é sábio ignorar o trabalho intelectual prévio. Tanto a razão como a fé são, de modos diferentes, meios de cognição1. O problema das relações entre ambos é portanto um problema epistemológico, e como tal, potencialmente o problema básico para a filosofia e para a teologia, devido ao seu poder de determinar o estatuto teórico de toda a reflexão.
Sem tentar diminuir a complexidade das reflexões sobre a questão, podemos dividir as soluções em cinco abordagens principais2:
1) Alguns pensadores defenderam que a razão tem certa utilidade no trato com a realidade imediata, mas é absolutamente incapaz de perscrutar a verdade divina. Ela não pode provar a existência de Deus, ou a revelação de nenhum modo, nem pode compreender o Deus que se revela, devido à Sua transcendência. Sören Kirkegaard (1813-1855), importante defensor dessa posição, afirmou que Deus só pode ser conhecido por meio de um “salto de fé” - sem bases racionais. Karl Barth rejeitou a revelação natural e negou que a razão pudesse receber a revelação divina;
2) No extremo oposto se encontram os racionalistas, que afirmam a capacidade da razão humana para descobrir qualquer coisa. Alguns racionalistas negaram a própria realidade da revelação, juntamente com empiristas (como David Hume), enquanto que outros como Abelardo e mais tarde Emanuel Kant admitiram a revelação, mas postularam que toda e qualquer definição de religião fosse mantida dentro dos limites da razão. Essa abordagem levou à negação do sobrenatural e a um dogmatismo naturalista, como temos por exemplo no filósofo judeu Spinoza: “... um milagre, seja uma contravenção à natureza, ou além da natureza, é coisa meramente absurda.”3 Outro exemplo são os deístas ingleses, que afirmavam que tudo o que o cristianismo apresenta já havia sido conhecido antes pela razão.4
3) Uma terceira corrente defendeu o lugar da revelação - sob a razão! Trata-se de uma abordagem que se desenvolveu dentro do cristianismo, e bem poderia ser descrita como um racionalismo cristão. São representantes dessa linha os Pais Alexandrinos (Justino Mártir e Clemente de Alexandria), que tratavam a revelação como um complemento à razão, e procuravam “encaixá-la” dentro da filosofia da época, o platonismo. Um exemplo atual desse tipo de atitude racionalista é o liberalismo teológico, que surgiu sob o impacto do iluminismo. Aqui há a tendência de julgar a revelação a partir de um estatuto filosófico para torná-la aceitável dentro daquele sistema, inevitavelmente colocando, assim, a razão acima da revelação. Os primeiros estudiosos que aplicaram o método histórico-crítico sem critérios ao estudo das escrituras5 negavam que a escritura fosse a Palavra de Deus (contra o próprio testemunho delas) crendo que ela apenas continha a Palavra de Deus6. A tradição teológica luterana foi grandemente afetada por essa abordagem: “Embora a ortodoxia luterana se tivesse defendido contra qualquer interpretação científica da bíblia, ela (sic!) se estabeleceu, colocando-se sob os auspícios do iluminismo.”7
4) Em oposição direta ao semi-racionalismo os revelacionistas argumentam que a razão não pode se sobrepor à revelação. Foi Tertuliano quem disse: “Que tem em comum Atenas e Jerusalém? Ou, a Academia e a Igreja?”8. Segundo ele, a razão pode refletir acerca da revelação, mas não pode descobrir a verdade divina nem julgar a revelação, colocando-se contra ela. Parodiando Kant, poderíamos dizer que para Tertuliano, deve-se ter “a razão dentro dos limites da revelação”9. Alguns escritores tem situado Agostinho entre os revelacionistas. Agostinho (354-430) pensava que a revelação não implica em renúncia à razão, mas habilita o homem a refletir corretamente; a fé toma a razão pela mão e a conduz, de modo que “... só a fé cristã habilita o homem a ser racional, a ser um filósofo.”10 Foi ele quem, a partir do texto de Is 7.9 na LXX, formulou o “famoso princípio”, crede ut intellegas - creio para que possa compreender. Para Agostinho, a fé é condição prévia para o entendimento da revelação, é a luz que guia a razão. Entre os pensadores contemporâneos que exaltam a revelação sobre a razão temos os filósofos reformados, como Herman Bavinck, na Holanda, e Cornelius Van Til, por muitos anos professor no Westminster Theological Seminary. Para Van Til, a reflexão sempre começa com pressupostos, e toda a filosofia secular tem pressupostos inadequados na medida em que ignora a revelação. Sendo Deus soberano, o cristão deve ter Deus como fundamento e ponto de partida de sua reflexão filosófica. Outro pensador pressuposicionalista é Francis Schaeffer.
5) Finalmente, temos a quinta abordagem que é ao mesmo tempo, segundo Alan Richardson, a mais tradicional no cristianismo: “... Pode-se dizer bem que esta idéia da relação da fé com a filosofia representa uma linha central - e ousamos dizer ser a linha central - do desenvolvimento do pensamento cristão sobre este assunto, a partir do século II.”11 Os principais representantes desse posicionamento são os grandes doutores, Agostinho (?)12 e Tomás de Aquino. Aqui é importante observarmos que há dúvidas sobre a corrente de Agostinho. Embora tenha figurado aqui devido à influência da filosofia grega sobre sua teologia, seu princípio epistemológico tem aparência de revelacionista. Ao passo que Agostinho foi fortemente influenciado pelo platonismo, Tomás de Aquino (1224-1274) seguia a tradição aristotélica. Era discípulo de Agostinho, mas adaptou bastante os ensinos do mestre, tendendo mais ao racionalismo. No intento de enfrentar os pensadores aristotélicos em seu próprio terreno, Tomás buscou construir uma teologia natural, apenas com o auxílio da razão, para mostrar a coerência entre a razão e a revelação cristã. Tomás cria realmente num equilíbrio entre razão e revelação, atitude que passou ao catolicismo e até hoje permanece no princípio paralelo ao de Agostinho, “intellego ut credam” - “compreendo para crer” ”... Sto Tomás reconhece que a natureza, objeto próprio da filosofia, pode contribuir para a compreensão da revelação divina. Deste modo, a fé não teme a razão, mas solicita-a e confia nela.”13
Como fazer uma opção entre essas cinco? Antes de tudo, é preciso erguer definições biblico-teológicas de revelação e de razão. Naturalmente, levantar-se-á a pergunta: “quando decidimos fazer uma opção epistemológica a partir de uma suposta revelação, não somos já obrigados a escolher uma ou outra opção? Ou seja, não há um a priori dogmático determinando meu pensar?” Certamente! E como não haveria, se estamos perguntando pela relação entre razão e revelação? Suposta aqui está a realidade da revelação, e nada mais racional há que construir uma epistemologia teológico-filosófica a partir da fonte da teologia cristã - a revelação bíblica. Perguntaremos portanto pelas concepções bíblicas a respeito da revelação e da razão.
2. A Concepção Bíblica da Revelação
A teologia judaico-cristã tem como uma das marcas distintivas a idéia de revelação. Deus é em si icognoscível, podendo ser conhecido apenas por auto-revelação. Assim, o termo significa “... a comunicação da verdade divina de Deus para o homem, ou seja: a Sua manifestação de Si mesmo e da Sua vontade.” 14 A revelação normalmente é discriminada como geral ou universal e especial ou particular. A revelação geral é definida por Erickson como “... a automanifestação de Deus por meio da natureza, da história e da personalidade do homem.”15 O protestantismo tem amplamente rejeitado a possibilidade de uma teologia baseada na revelação natural, (contrariamente a Tomás de Aquino e ao Catolicismo), por três razões fundamentais: 1) o estado de pecado conforme exposto em Romanos capítulo 1 implica que o homem é incapaz de reconhecer a revelação natural e à base dela realizar qualquer movimento para Deus; 2) a incapacidade da teologia natural de sustentar-se ante a oposição da filosofia secular tem convencido muitos teólogos de que é inútil perder tempo nessa direção16; 3) a teologia natural tende a pôr em questão a indispensabilidade da revelação especial - e da graça - para a salvação.
A revelação especial pode ser definida como “... a automanifestação de Deus para certas pessoas em tempos e lugares definidos, permitindo que tais pessoas entrem num relacionamento redentor com ele.”17 Não faremos aqui uma discussão completa da doutrina; vamos nos limitar a dois aspectos fundamentais: 1) A revelação é localizada historicamente. O liberalismo teológico dos séculos XVIII e XIX, sob influência do idealismo de origem grega, tendia a considerar os fatos históricos relativos e nunca absolutos, identificando portanto a revelação com idéias, e não com a história18. Contrariamente a essa atitude, que até hoje perdura, deve-se observar que a fé do povo de Deus ao longo da história bíblica sempre se fundava em atos salvadores de Deus na história, atualizados na proclamação19. Toda a teologia judaico-cristã se funda nos atos revelatórios 20 de Deus na história. 2) Além disso, a revelação é proposicional. Desde o liberalismo de Schleiermacher (Século XVIII), a teologia protestante tem sido anti-dogmática, dizendo que Deus não comunica doutrina, mas vida21. O fato é que os eventos revelatórios sempre vieram interpretados pela palavra revelatória, sendo que justamente isso os interpretava como revelatórios.22 A revelação divina sempre envolveu informação teológica (Ex 33.18,19,6,7; Dt 32.1,2; Hb 11.6; 1Co 15.1-4; Rm 10.9).
3. A Concepção Bíblica da Razão
A razão é “... a capacidade do intelecto humano de realizar atividades mentais organizadas, tais como associação de idéias, indução de inferências, ou julgamentos de valores.”23 As escrituras reconhecem a noção de razão em termos relacionados como sabedoria, mente, pensamento e conhecimento; e em Isaías 1.18 Deus apela diretamente à razão humana, convocando o homem racional para o confronto - como o faz por todas as escrituras.
A razão é inata no ser humano, e como tal, parte da criação de Deus. Nesse sentido, é essencialmente boa (Gn 1.26,31), e objeto da graça comum (Mt 5.45; Tg 1.17), por exemplo na capacidade de pensar eticamente (Rm 2.14,15); embora finita e incapaz de alcançar o Deus transcendente (Is 55.8,9) é evidentemente funcional para diversas tarefas, e essencial para a vida humana. De modo que o irracionalismo é antibíblico e desumanizante.
Esse fato não deve fechar nossos olhos para a realidade do pecado. No relato da queda em Gênesis, temos indícios claros de que o pecado do homem foi possível devido a um ato de incredulidade que envolveu a razão humana:
“... no Éden o homem foi conduzido a uma escolha ética e relacional que envolvia questões metafísicas e epistemológicas (atribuir ao fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal um significado intrínseco à parte da revelação divina e atribuir a si mesmo, com a ajuda da serpente, a habilidade de julgar pseudo-autonomamente a veracidade da declaração de Deus)”24
Paulo deixa claro em Romanos 1.20-23 que o estado de pecado envolve rejeição ativa do conhecimento de Deus manifesta numa espécie de trabalho intelectual que busca suprimir o conhecimento de Deus (vs 25) substituindo-o por um sistema religioso idolátrico. Tal trabalho tem aparência de sabedoria, mas seu efeito real é obscurecer o coração e levar o homem à nulidade e à loucura. Em Efésios 4.17-19 somos informados de que os gentios sofrem de um “obscurecimento de mente” provocado pela dureza de coração, que conduz à insensibilidade e ao pecado. Estamos falando dos efeitos noéticos do pecado. A razão foi profundamente afetada pela queda tornando-se cega e embotada no que se refere às coisas de Deus (1Co 2.14; 2Co 3.14,15; 4.4), padecendo principalmente da mentira auto imposta pela dureza de coração (Jr 17.9), a mentira epistemológica fundamental contra o conhecimento de Deus.
O fato de que a mente humana foi obscurecida pelo pecado não signfica que ela não tenha valor; “... a queda [...] não destruiu totalmente a competência da razão humana.”25 A razão é ainda capaz de realizar muitas tarefas e de produzir sabedoria, e efetivamente o faz, mas não independentemente de Deus. Dele vem todas as dádivas e o conhecimento, desde que é o “Pai das Luzes” (Tg 1.17); ele é a fonte da sabedoria: “Porque o Senhor dá a sabedoria, e da sua boca vem a inteligência e o conhecimento.”26 (Pv 8.14-16, 22,23). Onde se manifesta a inteligência humana, aí está a graça comum em operação.
Embora o homem possa receber certa medida de sabedoria da parte de Deus, não recebe o suficiente para se libertar do obscurecimento contra a revelação. Assim Paulo pôde dizer, “Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação.”27 A sabedoria humana presentemente é uma mistura de graça comum e rebeldia contra a revelação.
Sendo parte integral do ser humano, a razão é também objeto da graça redentora. Como regenerados, recebemos a “mente de Cristo” (1Co 2.16), e somos chamados a “renovar” as nossas mentes, ou seja, permitir que nossa razão e atitude mental sejam purificadas e conduzidas pela verdade, na aceitação crente da Palavra de Deus, para experimentarmos a plenitude da salvação (Rm 12.2; Ef 4.22-24). Somente através da fé a razão pode ser liberta da mentira e o homem pode alcançar a verdadeira sabedoria28: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo é prudência”29. O homem deve portanto buscar a inteligência (Pv 4.5), mas não deve fazê-lo com auto-suficiência carnal (Pv 3.5); deve fazê-lo arrependendo-se de sua rebeldia intelectual e temendo a Deus. Deve exercitar fé na revelação para compreender o mundo e sua própria existência a partir dessa revelação.
Tal entendimento é possível por ser o homem à imagem de Deus. A mesma sabedoria pela qual Deus criou o mundo (Pv 8.22-30) é sabedoria que ele dá aos que a buscam com fé (Pv 2.1-5; Tg 1.5,6). Essa sabedoria é nada menos que o logos de Deus, Cristo, pelo qual Deus fez o mundo (Jo 1.3) e pelo qual a luz alcança o homem (Jo 1.4-10). O próprio Cristo é a sabedoria de Deus (1Co 1.24), e a aceitação da revelação cristã proporciona a chave para o homem compreender o universo. Ele já é a razão objetiva do mundo, e se torna nossa razão subjetiva, quando nos dá entendimento restaurando e renovando nossas mentes para compreendermos a verdade.
4. A Abordagem Bíblica para as Relações entre Fé e Razão: Definindo uma Epistemologia Cristã
Já temos, nesse ponto da pesquisa, informações suficientes para uma escolha responsável entre as abordagens do relacionamento entre fé e razão. Isso significará uma definição epistemológica básica, embora outras definições devam ser feitas para compor um sistema epistemológico completo.
A abordagem da “revelação somente” deve ser excluída desde já. A razão está caída, mas Deus é poderoso para levantá-la, e o faz renovando-a com o evangelho. Além disso, a graça comum tem claramente capacitado a razão a descobertas significativas, tanto na ciência como na filosofia. A razão tem um papel ainda importante como o único meio de investigação de que dispomos.
Igualmente ficam excluídas as abordagens racionalistas ou semi-racionalistas. Obviamente, a corrente da “razão somente” já estaria excluída desde que se aceitasse a possibilidade da revelação. O semi-racionalismo do liberalismo teológico mostra-se subteológico, malcompreendendo a idéia de revelação e subestimando os efeitos do pecado sobre a razão. O tomismo é também inadequado, ao dar um papel à razão na descoberta da verdade que realmente não é previsto nas escrituras, por meio da construção sua teologia natural, e ao diminuir a importância da queda no obscurecimento da razão; o catolicismo tem portanto viajado por águas perigosas30. Alan Richardson critica pesadamente o tomismo ao dizer que “O racionalismo é o pelagianismo na filosofia...”31, - e afirma logo depois que Agostinho nada tem a ver com isso. O fato é que há certa dificuldade para definir a corrente de Agostinho. A maioria dos autores consultados concorda em ver Santo Tomás como mais racionalista32, mas Geisler o coloca ao lado de Tomás. Talvez seja melhor admitir certa inconsistência em Agostinho, reconhecendo que seu “credo ut intellegam” não concorda com sua prática de misturar cristianismo e platonismo. De qualquer modo, se aceitarmos que Agostinho não era racionalista, podemos concordar com E. Gilson: “Para ser cristã, a filosofia deve ser agostiniana, ou então não será nada.”33
Norman Geisler tenta solucionar a questão de um modo inusitado e frustrante. Ele tenta fazer uma síntese das posições extraindo de cada uma certa medida de verdade34. É claro que sua tentativa de agradar a todos não poderia ser bem sucedida. Ele argumenta que a revelação é ontologicamente superior à razão, mas que a razão precede epistemologicamente a revelação. Mas ao explicar o sentido disso concorda em dizer que a razão deve se sujeitar à revelação assim que reconhecê-la - e os revelacionistas concordariam dizendo que a revelação é reconhecida quando o homem é por ela conduzido de volta à razão. Desse modo, Geisler dificilmente escapa do revelacionismo na prática.
A despeito de sua frutífera abordagem de Agostinho, e da exatidão básica de sua defesa da fé como condição para a racionalidade, Alan Richardson, como Agostinho, está aprisionado a um sistema filosófico que o torna inconsistente. Ele está comprometido com um tipo de liberalismo “suave”; rejeita a “tradicional teoria da inspiração das escrituras”, para ele demolida pela moderna ciência bíblica35, considerando, em plena oposição ao cristianismo histórico, a “... questão da compreensão da natureza da fé como algo bem diferente da aceitação das ‘verdades’ escritas na bíblia.”36 Richardson nega que a revelação tenha sido dada em verdades proposicionais37. Isso deixa poucas dúvidas sobre a sua posição.
Sem qualquer dúvida a opção que está mais de acordo com o testemunho bíblico é o revelacionismo. Consideramos que a razão deve sujeitar-se à revelação, e à fé, para receber direcionamento e para ser renovada para a salvação, e que nossa epistemologia deve ser agostiniana: “credo ut intellegam”.
5. A Inadequação dos Sistemas Filosóficos Correntes
Nossas conclusões a respeito do relacionamento entre fé e razão tem sérias implicações para a nossa compreensão da filosofia secular. Se a razão se mantém obscurecida contra Deus e a revelação é o ponto de partida para a verdadeira sabedoria, a filosofia não pode estar correta tentando um ponto de partida “neutro”38. A suposta neutralidade religiosa não somente esconde uma revolta contra Deus, mas também afasta inevitavelmente o filósofo da verdade. Na busca de entendimento sem Deus como ponto de referência, o homem está aprisionado na idolatria (seja religiosa, seja secularizada) e não poderá jamais desenvolver uma metafísica ou uma epistemologia que explique toda a realidade (ainda que obtenha sucessos na descrição da realidade empírica). Uma evidência clara disso é a ausência de unidade até mesmo básica entre as diversas filosofias.
O apologia reformado Cornelius Van Til identifica a raiz do problema na descoberta pré-socrática do problema dos universais e particulares39. As tentativas platônica, tomista e moderna (kantiana) de explicar o problema mantiveram-se sempre em algum tipo de dualismo incapaz de relacionar os universais e particulares (forma-matéria, natureza-graça, fenômenos-númenos, natureza-liberdade), levando o homem ao racionalismo (domínio da metafísica) ou ao empirismo radical (rejeição da metafísica). O resultado foi, no século XX, a desistência da metafísica, pela incapacidade de encontrar um universal concreto,40 e o paradoxo do indivíduo racional diante de um mundo irracional41 (feito de particulares sem significado). Nos últimos tempos, a própria liberdade intelectual do objeto conhecedor (o homem) tem sido questionada, bem como a validade dos paradigmas epistemológicos da ciência moderna. Surpreendentemente, no entanto, o pensamento secular mantém suas pressuposições epistemológicas básicas: “... os ‘fatos’ (o objeto do conhecimento) ainda são considerados finais, compreensíveis sem Deus, e o ‘eu’ conhecedor (o sujeito do conhecimento) ainda é considerado autônomo.”42 Essa epistemologia não é neutra; sua manutenção a despeito do fracasso aponta para uma atitude subjacente de independência intelectual e para um antiteísmo arraigado.; Erra portanto Paul Tillich quando tenta construir um sistema teológico fundado na filosofia existencialista43, pois não há como relacionar sem prejuízo a fé cristã e a filosofia secular
Essa percepção tem sido confirmada pela realidade. Em seu estudo sobre o relacionamento histórico entre a fé cristã e a filosofia secular, Colin Brown demonstrou com clareza que 1) nenhum sistema filosófico foi capaz de explicar com a realidade de modo coerente e mostrar-se completo44; 2) as tentativas de aliar a fé cristã com sistemas filosóficos resultaram historicamente em prejuízo para a fé cristã, do que temos exemplo do platonismo, aristotelismo, racionalismo, deísmo, existencialismo e marxismo45. A implicação é que a prática tem confirmado a máxima de Tertuliano: “que tem Atenas com Jerusalém?”
O peso da evidência histórica aponta para uma só direção: toda a história do pensamento ocidental é um gigantesco movimento intelectual de rebelião contra Deus. A razão humana é o fundamento da filosofia, e como conclusão lógica de nossa posição a respeito da razão, não podemos considerar qualquer movimento intelectual ou sistema de pensamento como eticamente neutro ou isento de motivação religiosa. Portanto, toda filosofia que não tem Deus e a revelação como ponto de partida é anticristã e inimiga da verdade46.
6. A Necessidade e a Tarefa de uma Filosofia Cristã
Do fato de que a filosofia secular é anticristã, não se segue que não precisamos da filosofia, porque “Toda teologia começa com pressuposições filosóficas.”47. A mente opera dentro de estatutos prévios, compostos mediante a observação da realidade e a reflexão anterior, o que torna impossível a reflexão teórica sem pressuposições. Mesmo quando não adotamos conscientemente um sistema filosófico, a interação social e intelectual nos coloca sob influência de ideologias e sistemas diversos e forma nossa mentalidade. Normalmente um sistema domina sobre os outros, mas como não temos como identificá-lo, é comum refletirmos, em diferentes situações de vida, a partir de sistemas contraditórios, sem nos darmos conta disso!48 Portanto é necessário conhecer a filosofia, para compreendermos que forças intelectuais nos determinam49.
Há uma outra razão mais importante para o trabalho filosófico; Ricardo Quadros Gouvêa coloca muito bem a questão quando diz: “Precisamos de uma filosofia porque o pensamento teórico não é possível sem a estrutura filosófica que o sustenta. Não é possível fazer teologia, nem ciência, sem um fundamento teórico.”50 A determinação de estatutos epistemológicos é essencial para o pensamento racional, e tem implicações diretas para todas as áreas da vida humana. Tudo isso nos coloca portanto diante de uma tarefa hercúlea mas inescapável: precisamos desenvolver uma filosofia abrangente, revelacionista, capaz de justificar e fundamentar uma mentalidade e uma práxis que manifeste as realidades do Reino de Deus. Tal filosofia deverá constituir uma biocosmovisão cristã que interprete o sentido da natureza, da história, da religião, da ciência, da cultura, da arte e a própria fé cristã por meio de uma razão humana redimida51. A Existência Cristã deve estar fundada numa Filosofia Cristã52. Quais seriam as características de tal sistema filosófico?
7. Características Básicas de uma Filosofia Cristã
Uma filosofia cristã deve começar com Deus. O Deus trino e soberano da fé cristã é o pressuposto filosófico fundamental. Sua existência não precisa ser provada a partir de evidências ou de algum tipo de teologia natural; antes, o reconhecimento de que não é possível solucionar o problema filosófico básico universais/particulares sem um ponto de referência absoluto (um universal concreto) nos faz naturalmente admitir a hipótese de Deus como uma necessidade epistemológica, a única opção capaz de dar sentido aos particulares - e entre eles ao homem53.
A rejeição do Deus soberano estabelece o problema ético-religioso fundamental do homem: a sua reivindicação de completa autonomia pessoal a despeito do elevado custo - a perda de qualquer referencial epistemológico seguro e o irracionalismo ético-religioso54. Os efeitos noéticos do pecado devem portanto ser tratados com toda a seriedade colocando-nos numa atitude crítica perante a razão humana. Essa rejeição é um fato universal, desde que a humanidade tem um conhecimento inato de Deus mas o suprime sistematicamente; não é necessário portanto justificar a existência de Deus. Podemos assim pressupor Deus sem necessidade de prová-lo - o senso religioso inato é o ponto de contato entre a fé cristã e o não cristão.
A soberania de Deus estabelece a essência da epistemologia cristã: tanto o objeto do conhecimento como o sujeito do conhecimento devem ser vistos em sua relação com Deus, ou “cor et res coram Deo”55 Deus criou e pré-interpretou todos os fatos do universo; portanto toda atividade epistemológica tem significado ético-religioso na medida em que reconhece ou não a pré-interpretação divina. O homem mantém sua fidelidade a Deus oferecendo todo seu ser e razão na renúncia da autonomia epistemológica para pensar conforme a revelação. Permanece portanto o princípio de Agostinho: “credo ut intellegam”
Os motivos matéria-forma, natureza-graça, o númeno-fenômeno e o esquema atual (irracional) natureza-liberdade não são bíblicos na medida em que desconsideram a queda e são incapazes de encontrar unidade no mundo. O motivo filosófico que devemos usar para interpretar cada aspecto da realidade é o esquema criação-queda-redenção56.
O cristão deve interpretar o mundo orientado pela revelação usando ao máximo suas capacidades intelectivas. Nesse processo ele não somente descobre novas verdades na criação mas lança mão de toda a inteligência secular naquilo em que não está em oposição à revelação. Mesmo aspectos da filosofia secular que possam ser adaptáveis e compreendidos a partir da fé se tornam patrimônio do pensador cristão. Richardson colocou a questão mui acertadamente: “Se Platão, Spinoza e Marx ensinaram algo que era verdadeiro, fizeram-no unicamente porque a própria verdade veio até eles, e os cristãos são, portanto, os legítimos herdeiros de sua verdade.”57 Como Paulo disse, tudo é nosso58, inclusive o patrimônio de conhecimento filosófico-científico que a humanidade desenvolveu.
CONCLUSÃO
Chegamos ao fim de nossa discussão, e, sem de modo algum sugerir que o assunto tenha recebido um tratamento completo, espero ter defendido satisfatoriamente minhas posições. Verificamos que, biblicamente, a revelação tem precedência sobre a razão, o que estabelece uma epistemologia revelacionista; vimos ainda que devido à queda, a filosofia secular trabalha com pressupostos basicamente antiteístas, e seus sistemas tem se demonstrado não somente falhos, como também prejudiciais à fé cristã. Desde que tanto o pensamento teórico como a práxis exigem um estatuto teórico prévio, cabe ao cristão elaborar uma filosofia cristã revelacionista que fundamente tanto a atividade intelectual como um todo, como a práxis cristã como um todo - ou seja, construir uma existência cristã fundada na filosofia cristã. Concluímos portanto, que verdadeiramente a fé cristã exige uma epistemologia revelacionista (revelação domina sobre a razão) e portanto uma filosofia fundamentada e orientada pela fé; uma filosofia abrangente e capaz de formar uma biocosmovisão completa, para que possamos pensar e viver conforme a mente de Deus, para sua glória.
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NOTAS
1Norman GEISLER, Introdução à Filosofia, p. 201. De agora em diante citado como GEISLER.
2ibid.
3ibid, p. 205.
4Cf. Alan RICHARDSON, Apologética Cristã, p. 185. De agora em diante, citado como RICHARDSON.
5Por exemplo, Jean Astruc (1684-1766) e Julius Wellhausen (1844-1918). Cf. GEISLER, p. 206.
6”... o racionalista Johann Salomo Semler (1725-1791), cujo trabalho de quatro volumes ‘Treatise on the Investigation of the Canon’ (1771-75) declarava que a Palavra de Deus e a Escritura Sagrada não são absolutamente idênticas.” Gerhard HASEL, Teologia do Novo Testamento, p. 19.
7Martin VOLKMANN, et alii, Método Histórico-crítico, p. 48.
8JOÃO PAULO II, Carta Encíclica ‘Fides et Ratio’, p. 45. De agora em diante citado como “Fides et Ratio”.
9GEISLER, p. 207.
10ibid, p. 187.
11Apologética Cristã, p. 186.
12Para Alan Richardson e Norman Geisler, Agostinho situa-se entre os que põe razão e revelação lado a lado; mas não há unanimidade nesse respeito. Alguns autores, como Corduan, crêem que Agostinho sustentava a precedência da fé sobre a razão. Cf. W. CORDUAN, Razão, p. 232.
13Fides et Ratio, p. 47.
14C.F.H. HENRY, Revelação Especial, p. 299. De agora em diante citado como HENRY.
15Millard J. ERICKSON, Introdução à Teologia Sistemática, p. 41. De agora em diante citado como ERICKSON.
16Cf. ibid, p. 46,47 e Colin BROWN, Filosofia e Fé Cristã, p. 185-188.
17ERICKSON, p. 55.
18HENRY, p. 300.
19Exemplos disso são o querigma conservado em Deuteronômio 6.20-24 referente ao êxodo, e o querigma apostólico registrado em 1Coríntios 15.3ss referente à ressurreição de Cristo. Cf. G. E. LADD, Teologia do Novo Testamento, p. 27. De agora em diante citado como LADD.
20ibid.
21HENRY, p. 301.
22LADD, p. 29.
23W. CORDUAN, Razão, p. 232.
24Davi Charles GOMES, Fides et Scientia: Indo Além dos Fatos, p. 145.
25C. F. H. HENRY, Know, Knowledge, p. 49.
26Pv 2.6.
271Co 1.21.
28”Fazer-se cristão não quer dizer renunciar à razão; ao contrário, isto habilita o homem a raciocionar de modo certo e verdadeiro; tornando-se cristão, o homem está preparado para ser um filósofo, no verdadeiro sentido deste vocábulo.” RICHARDSON, p. 187.
29Pv 9.10.
30”A falácia do tomismo e de todas as formas de racionalismo está no fato de obscurecerem a clássica interpretação cristã da natureza humana como decaída...” RICHARDSON, p. 199.
31ibid.
32Por exemplo CORDUAN. Cf. p. 232.
33Apud RICHARDSON, p. 188.
34GEISLER, p. 212.
35Richardson parece não se dar conta de que a “moderna ciência bíblica” é filosoficamente condicionada e ideológica, conformando-se ao positivismo científico dessa ciência.
36RICHARDSON, p. 191.
37ibid.
38A neutralidade filosófica é um mito racionalista. Richardson coloca muito bem a questão quando comenta que “Todo filósofo que tenta construir uma metafísica, em última análise, depende de algum ‘princípio de fé’, seja cristão ou não, seja religioso ou anti-religioso. Neste sentido, não se pode construir nenhuma metafísica, ou visão de mundo, sem um ‘princípio de fé’ [...] o racionalismo opera somente pelo emprego de um princípio-de-fé oculto, que, contudo, lhe é tão necessário como é a fé à filosofia cristã.” ibid, p. 186 e 189.
39A questão era: como relacionar a imensa multiplicidade dos fatos sem sentido óbvio com uma possível unidade subjacente que dê sentido ao todo? Ou, como criar um sistema que harmonize física (realidade empírica) com metafísica (interpretação racional do todo)? Cf. GOMES, p. 131-141.
40Um ponto de referência absoluto e não particular (universal metafísico), pelo qual o homem possa interpretar toda a realidade e a sua existência.
41Essa atitude é visível, por exemplo, no existencialismo de Sartre, no niilismo, no misticismo religioso irracional e no hedonismo extremado de fim de século. Para melhor compreender esse irracionalismo prático, cf. Francis A. SCHAEFFER, O Deus que Intervém.
42GOMES, p. 141.
43Paul Tillich está certo formalmente quando diz que “Um conflito pressupõe uma base comum sobre a qual lutar. Mas não existe uma base comum entre teologia e filosofia. Se o filósofo e o teólogo combatem, eles o fazem ou sobre uma base filosófica ou teológica. A base filosófica é a análise da estrutura do ser (sic!). Se o teólogo necessita desta análise, ou deve recebê-la do filósofo, ou ele próprio deve se converter em filósofo.” Mas erra essencialmente quando admite que o ponto de partida do filósofo não é essencialmente errado: “É uma desgraça para o teólogo, e é intolerável para o filósofo se numa discussão filosófica o teólogo de repente reivindica uma autoridade diferente da própria razão [...] não há conflito entre teologia e filosofia.” Paul TILLICH, Teologia Sistemática, p. 31,32. Tillich se afasta completamente do cristianismo histórico com um conceito defeituoso de pecado e extrema confiança na capacidade racional do homem. É um pelagianismo racionalista.
44Colin BROWN, Filosofia e Fé Cristã, p. 183. De agora em diante citado como BROWN.
45ibid, p. 184.
46Ao menos a nível de sistemas; é claro que há elementos diversos em cada sistema que são aproveitáveis em outros sistemas e aceitáveis para fé cristã.
47Richard J. STURZ, Ser Teólogo no Terceiro Mundo, p. 108.
48”... muitos supostos teólogos evangélicos não se dão ao trabalho de compreender seu próprio ponto de partida filosófico. Fingem não ter nenhum e simplesmente vão direto às Escrituras para entender e ensinar a mensagem revelada. Na verdade, eles são tão ingênuos quanto os outros. “ ibid.
49”Ao estudar os vários movimentos na filosofia e compará-los com a fé cristã podemos apontar nossa posição no mapa intelectual.” BROWN, p. 193.
50Ricardo Quadros GOUVÊA, Calvinistas Também Pensam: Uma Introdução à Filosofia Reformada, p. 49. De aqui em diante, citado como GOUVÊA.
51Cf. Romanos 12.2.
52Nesse ponto nos colocamos em oposição a Michael Horton, que nega a necessidade de uma filosofia cristã colocando a filosofia no âmbito da graça comum. O erro essencial de Horton é uma ênfase excessiva na graça comum ao ponto de obscurecer o fato de que ela não impede a demonização da cultura (só a graça salvadora o faz) e que o cristão não pode aceitar categorias demonizadas da cultura sem lutar por reformá-las. O aparente dualismo natureza-graça de Horton assemelha-se ao de Tomás de Aquino. Cf. Michael S. HORTON, O Cristão e a Cultura, p. 53-70.
53”Isso não é embaraçoso, porque os incrédulos também baseiam a sua incredulidade em alguma espécie de autoridade não confirmável.” GOUVÊA, p. 57. O ponto é que só o Deus do cristianismo explica adequadamente a realidade - ainda que seja uma opção desagradável para o homem pecador.
54Davi Gomes ilustra a situação com Aldous Huxley: “Tendo que escolher entre crer que a vida tinha sentido ou não, percebeu que a resposta afirmativa exigiria confronto com a realidade da existência de Deus e a possibilidade de ser por ele julgado, enquanto a negativa, a despeito de acarretar ‘abafado, mas constante desespero durante toda vida,’ ainda assim asseguraria o seu sentimento de liberdade. Escolheu, então, a ausência de significado, ‘pois não queria prestar contas diante de Deus.’” GOMES, p. 145.
55Segundo Davi Gomes, expressão derivada de Calvino, significando “coração e objeto perante Deus”. GOMES, p. 142.
56GOUVÊA, p. 52.
57RICHARDSON, p. 200.
58Cf. 1Co 3.21-23.